“Sagrada” hipocrisia

Acredito em Deus. Não na Bíblia e nem na Igreja Católica (muito menos na Evangélica).

Da mesma forma que não vejo a Bíblia como guia de conduta e, sim, livro histórico, reflexo da época em que foi escrito, para mim, igrejas não são templos de pureza. São somente pontos vermelhos no Google Maps e, em alguns casos, belos exemplos de arquitetura.

É impraticável pensar na Igreja Católica como instituição imaculada (como muitos querem fazer crer), sem lembrar de dissimulação (vide a Inquisição).

Isto é reforçado quando vejo filmes como o que vi hoje: O crime do Padre Amaro, de 2002, dirigido por Carlos Carrera.

Adaptação do livro homônimo, escrito no final do século XIX pelo português Eça de Queiroz, a produção demonstra a hipocrisia das relações da Igreja Católica local com a comunidade de Los Reyes, pequena cidade do interior mexicano.

Esta verdade é vista a todo momento do filme.

Desde o caso sexual duradouro do padre da paróquia, Benito, com uma fiel até as relações criminosas deste com um chefão regional do tráfico, Dom Chato, que lava dinheiro por meio das obras de um hospital, sob responsabilidade do pároco.

Há, ainda, a “revolta” da comunidade contra uma matéria do jornal local, que denuncia as conexões criminosas entre o padre Benito e o chefão do tráfico. Hipocrisia por hipocrisia, o bispo regional também contesta a “impureza” dos fatos, sob o argumento de “calúnia”.

Além da esfera financeira, o filme vai mais longe e demonstra o crime da falta de humanidade e da empatia que se espera de um representante de uma instituição milenar. Para o sacerdote, uma adolescente com paralisia cerebral é somente uma “retardada”, e, em função disto, foi “exorcizada”.

Em O crime do Padre Amaro, você também pode ver uma fiel fervorosa que esconde as hóstias recebidas nas missas na sua Bíblia para dar aos seus gatos. Talvez por pobreza.

Não se trata de chamar isso de hipocrisia e, sim, efeito colateral de uma igreja autoproclamada como sagrada, que apesar disso, prefere se aliar ao prefeito e ao chefão do tráfico ao invés de ajudar seus fiéis.

Soma-se às hipocrisias o “crime” cometido pelo padre que dá nome ao filme. Novo, bonito, recém-ordenado e recém-chegado à paróquia, apaixona-se por uma jovem (Amélia), a engravida e a leva para fazer um aborto, que resulta na morte dela. A tentativa de aborto é feita pela “fiel das hóstias”, que viu o primeiro “pecado” do padre com a jovem, cometido na própria igreja.

O livro de Eça de Queiroz foi escrito em 1875.

Poderia ter sido escrito em 2020…

Sem diferenças.

Infelizmente.

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3 thoughts on ““Sagrada” hipocrisia

  1. Querido Monstro do Espelho (não encontrei nenhuma menção ao seu nome por aqui!), assisti a esse filme hoje de manhã e ainda estou digerindo tudo o que vi e senti. Gostei bastante da sua resenha. Uma pergunta reflexiva: o que você achou da trajetória moral do personagem do padre Amaro? Você sentiu que tentaram transformar o sentimento que ele sentia pela Amélia (desejo) em um “amor redentor”? Um abraço.

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    1. Caro, Douglas, não notei esse aspecto. Não pensei profundamente sobre o filme. Só me chamou à atenção a hipocrisia da Igreja Católica, Como este blog, para mim, é só uma coleção de pensamentos, vc raramente verá resenhas de filmes. As resenhas de O crime do Padre Amaro e do documentário sobre Walter Mercado foram só exceções. Talvez, no futuro, haverá outras. Talvez.

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