Nasci em 1977. Minha infância foi vivida nos anos 80 e grande parte da adolescência ocorreu na década de 1990, quando popularidade midiática não era medida pelo número de seguidores e/ou curtidas.
O único termômetro era a televisão. Cibercultura e redes sociais surgiriam apenas tempos depois, nos anos 2000. Essa carência, porém, não impediu que figuras se incorporassem à cultura pop brasileira, sendo lembradas até hoje.
Se você viveu no Brasil nos anos 90, muito provavelmente, lembra(rá) do bordão “Ligue djá!”, eternizado por um cara com penteado cheio de laquê e figurinos igualmente extravagantes, fazendo movimentos com as mãos.
Era um astrólogo, dançarino e ator porto-riquenho, que fazia telemarketing de suas previsões.

ERRO
A impressão inicial sobre Walter Mercado e sua figura andrógina era, para a maioria das pessoas, cômica, reforçada pelo sotaque arrastado ao falar seu bordão. Isso levava à ridicularização da imagem dele.
Era um erro.
Fui um dessas pessoas, confesso.
Hoje, 30 anos depois, vi que errei e desejo que todas essas pessoas assistam o documentário Ligue Djá: O Lendário Walter Mercado, da Netflix, que dá a noção exata da dimensão do que ele representou e (ainda representa), principalmente, para a comunidade latina.
Lamentavelmente, no Brasil, como acontece com muitos ícones pop, ninguém conheceu “a pessoa Walter Mercado”. Conheceram somente “o fenômeno comercial Walter Mercado”, por causa de seu famoso slogan.
O documentário preenche essa lacuna.
FACETAS
Na produção – cujo título original inclui a expressão “Mucho, mucho amor”, popularizada por Mercado nos seus programas na comunidade hispânica -, são vistas suas infância e adolescência pobres; a entrada no mundo artístico, por meio da dança; a carreira de ator na TV porto-riquenha, e, especialmente, a transformação dele na pitoresca figura midiática que lotava espaços diversos.
Exibe, ainda, a exportação da marca Walter Mercado para a comunidade hispânica nos EUA, principalmente, Miami.
Os elementos humanos expostos no documentário incluem a relação fraterna do ícone com seu assistente pessoal, Will, além da permanente negação do astrólogo em falar de sua sexualidade (óbvia para muitos). Em vez disso, vê-se o pioneirismo dele em lugares e tempo, em que a homofobia era mais forte do que atualmente.
Talvez a faceta sempre otimista de Walter Mercado, também vista na produção, tenha favorecido a ingenuidade de ceder (sem perceber) os direitos legais de sua marca (então já consolidada em muitos países), ao seu empresário, Bill Bakula, vigarista que o enganou, levando a uma batalha judicial de seis anos para recuperá-los.
Outro aspecto revelado é a crescente fragilidade da saúde do ídolo.
Em contraste, é apresentada a exposição, realizada em agosto de 2019, no Museu da História de Miami, em celebração aos 50 anos da estreia do ícone no programa El show de las 12, focado na comunidade hispânica da cidade. A mostra teve 12 mil peças, incluindo capas, joias, fotografias e obras de arte, entre outros itens pessoais.
Infelizmente, três meses após o disputado evento, Walter Mercado faleceu, aos 87 anos, em função de insuficiência renal, tendo fim físico (como ele se referia) e iniciando a continuidade no imaginário daqueles atingidos pelo “cara do penteado cheio de laquê e figurinos igualmente extravagantes”.
Afinal, pessoas são finitas. Ícones são eternos.
Veja “djá”!